Por um triz não sou bandido

Tenho me afogado todas as manhãs na discografia do Chico Buarque – vide a postagem anterior. Tenho sua discografia completa em casa, mas estou quase por trazê-la para o trabalho. É entre uma reportagem e outra que ouço este senhor de verdes olhos. Sinto-me mais forte, cheia de sabor, perfumada. Porém, agora dei uma leve escapada. Estou a ouvir seu companheiro Caetano Veloso.
Por acaso achei cá para ouvir O Herói – última faixa do CD Cê, lançado em 2006. Com certeza não é a melhor das centenas músicas compostas por ele e nem faz parte do melhor dos seus mais de quarenta CDs lançados. Porém, eu gosto dessa música. Gosto desse toque de texto recitado acompanhado de melodia.
A música trata-se de uma crítica social, a busca pela democracia racial. Ela possui trechos que a tornam a impactante, como o que dá nome a esta postagem. Outro fator que torna a música hipnótica são os gritos desesperados já quase nos últimos acordes que de tão incômodos aos ouvidos provocam um resultado final atrativo. 

Por esses e por outros motivos que hoje recomendo que quem ainda não conhece, ouça O Herói. Ela me traz ainda boas recordações do último show do Caetano aqui em São Luís - ocorrido em 2007, se não me engano.



Herói

Caetano Veloso 


Nasci num lugar que virou favela
cresci num lugar que já era
mas cresci a vera
fiquei gigante, valente, inteligente
por um triz não sou bandido
sempre quis tudo o que desmente esse país
encardido
descobri cedo que o caminho
não era subir num pódio mundial
e virar um rico olímpico e sozinho
mas fomentar aqui o ódio racial
a separação nítida entre as raças
um olho na bíblia, outro na pistola
encher os corações e encher as praças
com meu guevara e minha coca-cola
não quero jogar bola pra esses ratos
já fui mulato, eu sou uma legião de ex mulatos
quero ser negro 100%, americano,
sul-africano, tudo menos o santo
que a brisa do brasil briga e balança
e no entanto, durante a dança
depois do fim do medo e da esperança
depois de arrebanhar o marginal, a puta
o evangélico e o policial
vi que o meu desenho de mim
é tal e qual
o personagem pra quem eu cria que sempre
olharia
com desdém total
mas não é assim comigo.
é como em plena glória espiritual
que digo:
eu sou o homem cordial
que vim para instaurar a democracia racial
eu sou o homem cordial
que vim para afirmar a democracia racial

Eu sou o herói
só deus e eu sabemos como dói



Para fazer o download da música clique aqui.

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Sua acidez me comove

Hoje me pus a ler umas letras - compostas ou somente cantadas - do Chico Buarque e depois de vagar por algumas, pensei: Este cara é ácido.
E é mesmo. Qualquer que seja inspiração que o tenha motivado a escrever/cantar determinados trechos, digo: Eu não queria estar no lugar do "homenageado".
Algumas passagens são tão cítricas que só de ler já me causam profundo sentimento de aspereza. É isto que o Chico provoca em dadas horas: Um tapa no rosto, uma lapada na bunda, um esfolar de pescoço, uma humilhação pública.
Muitos podem repudiar esse “dom” dele, mas como a Calcanhotto diz, “eu não gosto do bom gosto, eu não gosto do bom senso, eu não gosto dos bons modos, não gosto”. Então, quero compartilhar com vocês alguns "socos" do Chico Buarque. Seguem abaixo alguns que consegui destacar rapidamente em uma rápida passeada por sua discografia:


“Tantas águas rolaram, quantos homens me amaram bem mais e melhor que você” (Olhos nos Olhos)

“Olhos nos olhos quero ver o que você faz ao sentir que sem você eu passo bem demais” (Olhos nos Olhos)

“Quero cheirar fumaça de óleo diesel, me embriagar até que alguém me esqueça” (Cálice)

“Agonizou no meio do passeio público. Morreu na contramão atrapalhando o tráfego” (Construção)

“Não sei por que Deus ela jura que tem coração” (Ela Faz Cinema)

“Mas o tempo vai, mas o tempo vem. Ela me desfaz, mas o que é que tem que ela só me guarda despeito, que ela só me guarda desdém” (Essa Moça Tá Diferente)

“Não sê tão ingrata! Não esquece quem te amou e em tua densa mata se perdeu e se encontrou” (Fado Tropical)

“O seu corpo é dos errantes, dos cegos, dos retirantes. É de quem não tem mais nada” (Geni e o Zepelim)

“Joga pedra na Geni. Ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir. Ela dá pra qualquer um. Maldita Geni” (Geni e o Zepelim)

“Já lhe dei meu corpo, minha alegria. Já estanquei meu sangue quando fervia. Olha a voz que me resta, olha a veia que salta, olha a gota que falta pro desfecho da festa. Por favor, deixe em paz meu coração que ele é um pote até aqui de mágoa e qualquer desatenção, faça não. Pode ser a gota d'água” (Gota D’água)

“Agora já não é normal, o que dá de malandro regular profissional, malandro com o aparato de malandro oficial, malandro candidato a malandro federal, malandro com retrato na coluna social; malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal” (Homenagem ao Malandro)

“Dinheiro não lhe emprestei, favores nunca lhe fiz. Não alimentei o seu gênio ruim. Você nada está me devendo. Por isso, meu bem, não entendo porque anda agora falando de mim” (Injuriado)

“Seu homem foi-se embora, prometendo voltar já. Mas as ondas não têm hora, morena, de partir ou de voltar” (Morena dos Olhos D’água)

“Chamo você pra sambar. Levo você pra benzer. Fui pegar uma cor na praia e só faltou me bater, é. Basta ver um rabo de saia pro bobo se derreter. Vives na gandaia e esperas que eu te respeite. Quem que te mandou tomar conhaque com o tíquete que te dei pro leite. Quieta que eu quero ouvir Flamengo e River Plate” (biscate)

“Se você sentir saudade por favor não dê na vista. Bate palma com vontade, faz de conta que é turista” (Quem Te Viu, Quem Te Vê)

“Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu” (Roda Viva)

“Você só dança com ele e diz que é sem compromisso. É bom acabar com isso. Não sou nenhum pai-joão. Quem trouxe você fui eu, não faça papel de louca pra não haver bate-boca dentro do salão” (Sem Compromisso)

“Sem você. Sem amor. É tudo sofrimento, pois você é o amor que eu sempre procurei em vão” (Sem Você)

“Quando eu me apaixonei, não passou de ilusão. O seu nome rasguei. Fiz um samba-canção das mentiras de amor que aprendi com você” (Lígia)

“Na manhã seguinte não conta até vinte. Te afasta de mim, pois já não vales nada. És página virada descartada do meu folhetim” (Folhetim)

"Divinais garotas, belas donzelas no salão de beleza, altas gazelas nos jardins do palácio. Eu sou mais as putas" (Cambaio)

"Sou igual a você, eu nasci pra você, eu não presto" (Sob Medida)

"Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz e atrás dessa mulher, mil homens, sempre tão gentis. Por isso, para o seu bem, ou tira ela da cabeça ou mereça a moça que você tem" (Deixa a Menina)


Vistos estes trechos, é por isso que eu digo: Chico, sua acidez me comove.
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Thamirys D'Eça

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Moda com música da moda

Engana-se quem pensa que os fatores primordiais para o sucesso de um desfile de moda são apenas as coleções a serem apresentadas e quem irá colocar o charme na passarela. A trilha sonora que acompanha o rebolado dos modelos neste momento é de fundamental importância. Ela é a responsável por assegurar a sintonia entre a tendência do vestuário, o estilo da marca, a temática do desfile, o tipo de modelos e, sobretudo, é encarregada do papel de envolver o público.
No SLZ Fashion os responsáveis por esta tarefa foram os DJs Macau e VMC, que juntos formam a Altar, dupla badalada por boates de todo o país e de sucesso reconhecido mundialmente pelas paradas da Billboard. Pelo menos 80% da trilha do evento local – composto por 30 desfiles, cada um utilizando em média três músicas - foi escolhida e composta por eles.
Em entrevista a esta blogueira, Macau explicou sua experiência no SLZ Fashion, o processo de escolha das músicas que embalaram o evento e a receptividade do público que compareceu entre os dias 21 à 23 de setembro no Centro de Convenções Pedro Neiva de Santana, no Cohafuma.
DJ Macau agitou o SLZ Fashion com sequência irresistível
Blog - Qual a importância de uma boa seleção musical em um evento de moda?
Macau - A música é um acessório fundamental para um desfile. O conceito que se quer passar ou uma história que o estilista ou a loja cria para a coleção é um prato cheio de referências musicais. A música transporta os mais sensíveis a uma descoberta do tema que o estilista ou a moda quer ditar. É a mesma sensação quando se analisa um quadro de arte em que o espectador é transportado para um sentimento e cria-se um sentido para as coisas. A música tem essa função.


Blog - Quanto tempo levou para elaboração da listagem de músicas que fizeram parte do SLZ Fashion?
Macau - A elaboração das trilhas começa três meses antes dos desfiles, mas muitos dos clientes chegam já com um tema ou até mesmo sugerem a música. Nós trocamos idéias, tento não ser tão óbvio, mas às vezes complica um pouco quando eles ficam com uma idéia pré-estabelecida. 

Blog - Qual o critério de escolha das músicas para um evento como esse?
Macau - Primeiro é a conversa inicial com cada loja ou estilista. Tento dar um toque mais conceitual, fugindo um pouco do que é pop. Alguns lojistas já sabem da importância desse capítulo, e juntos, decidimos o que cai melhor na passarela. 

Blog – Como então combinar a música com o gingado dos modelos na hora do desfile?
Macau - O importante é causar um impacto. A música tem que ser bem escolhida, mas ela pode ser apenas um sinal sonoro, ou um efeito de mar, vento, ou chuva. Tudo deve ser pensado na idéia que a loja ou estilista quer passar na passarela. A interpretação para a realidade na passarela fica por conta dos modelos. 

Blog - Que tipos de artistas fizeram parte desse repertório?
Macau - Alguns importantes da música brasileira, como Bebel Gilberto, Gilberto Gil e o maranhense Cláudio Lima. E tantos outros artistas, como The Ting Tings, Puppini Sisters, The Noisettes, Mika e etc. 

Blog - Alguns lounges tiveram seleção musical diferenciada. Tem diferenças na escolha da trilha para esse público mais seleto?
Macau – Participei do lounge Sá Cavalcante e fiz questão de botar a pista para “ferver” ao som de muita House Music fina e elegante. O perfeito estilo para eventos como este é você usar uma música para quem quer fazer negócio e ao mesmo tempo balançar o esqueleto. Usei muito do SoulFull House, do Deep House e até mesmo o Disco House que são bastante agradáveis para o ouvido e para o corpo. 

Blog - Tiveram ainda desfiles temáticos. A escolha das músicas também foi feita pela dupla Altar?
Macau - Alguns dos desfiles temáticos foram feitos por nossa equipe, mas sempre com o consentimento de cada loja ou estilista que iria desfilar. 

Blog – E os freqüentadores do evento? Há quem dê sugestões de músicas a serem colocadas nas pick-ups?
Macau - Os visitantes do evento não têm essa autonomia, pois apenas quem criou a concepção de cada desfile determina o direcionamento musical do desfile. Os visitantes estão lá apenas como espectadores, apesar de muitos questionarem o uso de certas músicas ou artistas. O certo mesmo era cada loja ou estilista que fosse desfilar, apresentasse um breve release aos visitantes para que eles entendessem de antemão o conceito do desfile de cada grife. Isso já está sendo estudado para os próximos anos.


Blog - Já havia participado de outras edições do SLZ Fashion ou de outros eventos do mesmo âmbito?
Macau - No SLZ Fashion a Altar era a responsável pela coordenação das trilhas e a implantação da Rádio SLZ Fashion, que foi nosso primeiro ano, mas participo de criação de trilhas para desfile muito antes do disso. Sou da época do Phytoervas Fashion em São Paulo, quando o São Paulo Fashion Week era ainda uma criança. Montei algumas trilhas ao lado do jornalista Alex Palhano. 

Blog – Que diferenças você tem notado no decorrer desses anos quanto à na montagem da trilha sonora?
Macau - A verdade é que o evento SLZ Fashion está passando por grandes mudanças a todo ano, e para melhor. Por exemplo, apesar de não ter tanta liberdade na hora de criar uma trilha, sempre coloco uma pitada de ousadia e tento convencer os participantes do evento para saírem do lugar comum. Esse é o meu papel e isso faz parte de uma evolução. 

Blog – E como foi a receptividade do público do SLZ Fashion quanto à escolha musical?
Macau - Música ainda é para muitos uma questão de gosto, mas vale alertar a todos que desfile é o conjunto de uma obra. Fui questionado, por exemplo, porque usei um certo artista na trilha de um dos desfiles. Eu expliquei que a intenção do estilista era passar uma idéia retrô, bem anos 80 e só depois da minha justificativa que ficou fácil de entender. Então, quando assisto a um desfile encaro como se estivesse vendo uma obra de arte, absorvo cada detalhe para depois juntar as peças. Na verdade não consigo traduzir tudo naquele momento, mas se tivesse um background saberia exatamente o porquê de certas coisas. O importante é não apenas abrir a boca e dizer que gostei ou não da trilha. O fundamental mesmo é saber qual o conceito de cada desfile, pois a música é um acessório. Assim como nós que construímos a cena do SLZ Fashion estamos amadurecendo musicalmente a cada dia, os espectadores também estão passando pelo mesmo processo. É uma questão de tempo para todos entenderem o espírito das roupas e suas trilhas.
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Esta entrevista deveria ser publicada no jornal O Estado do Maranhão - no Especial SLZ Fashion, que estará disponível amanhã -, porém, a edição para qual foi destinada sofreu com ausência de espaço - um problema comum em impressos. No processo de edição, deu-se prioridade para as matérias que tratavam dos desfiles e tendências. Para não perdê-la, resolvi postar aqui. Claro, não é a mesma coisa, mas é um alento em meio a minha frustração. Afinal, o Macau é uma gracinha - como já diria a Hebe  (hehe) - de pessoa e, como sempre, foi muito solícito e atencioso quando solicitei o bate-bola. Aproveito e peço desculpas a ele. E digo: Quem não dançar ao som do DJ Macau boa pessoa não deve ser.
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Thamirys D'Eça

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