Enquanto isso, na imundície do pátio...


 
O primeiro poema que aprendi na vida - pelo menos que me recordo -, acho que com uns 7 anos, foi um do Manuel Bandeira chamado "O Bicho”. Ontem, na alta noite, presenciei uma cena que nunca mais irei esquecer tal qual o poema e tal qual o significado que ontem ele mostrou-me.

Leiam, então, “O Bicho”:

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”.

Para todos, "O Bicho", do Manuel Bandeira, retrata o último estágio de miserabilidade que um ser humano pode atingir. Catar comida no lixo é degradante, satisfazer-se com a comida vinda dali é difícil de uma pessoa como eu, que nunca passou fome, assimilar facilmente.
Ontem, porém, vi que "O Bicho", do Manuel Bandeira, pode ser aplicado de maneira não literal. Não necessariamente o homem precisa ser um mendigo, não necessariamente os detritos são os restos de comida e não necessariamente o pátio cheio de imundícies é um lixão. Pode ser um homem qualquer que se contenta com uma porcaria qualquer e que vive uma vida qualquer que nada trará de bom, como já era de se prever.
Percebi ontem, na alta noite, que "O Bicho", do Manuel Bandeira, tem mais em comum com muita gente que se coloca em uma vida de submundo do que poderia imaginar a minha vã sabedoria, vã filosofia e, sobretudo, os meus “vãos sentimentos”.

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Ice e vodka com refrigerante: Conformados com causa


Antes os rebeldes eram com causa. Depois, a rebeldia perdeu o motivo, mas persistia. Agora é a vez dos “conformados com causa”. São felizes por ficarem bêbados com ice e vodka com refrigerante, mas tudo escondido do papai. Sorriem muito, beijam muito, saem muito. As meninas usam saltos de cores berrantes e os garotos usam cabelo liso de lado.
Quem foi ao show do Nando Reis ontem, percebeu que os “conformados com causa” estão tomando conta do cenário jovem de São Luís. O fato de ir hoje em dia  a um show dele, em si, é meio caminho andado. Músicas “água com açúcar” compõem parte do repertório do cantor, como a chatíssima “Sou dela” (“Porque eu estou com ela. Sou dela, sem ela não sou porque eu preciso dela, só dela, com ela eu vou...”). E  são essas canções mais melosas que mais agradavam aos “conformados com causa”, pelo o que pude perceber pelos gritinhos enjoados.
Eu, particularmente, gosto de várias composições do Nando, mas como cantor o ruivinho é sofrível. Tem músicas lindas na voz de cantoras consagradas como Marisa Monte e Cássia Eller e musicalidade incrível de Titãs, mas agora aparenta só um velho romântico.
Em sua turnê com o “Bailão do Ruivão”, o artista se propôs a cantar músicas marcantes do cancioneiro brasileiro. A proposta parecia interessante, mas é de muitos altos e baixos. Que sofrimento ouvi-lo cantar “Muito Estranho” com todos os seus tons (“Então mistuuuureeeeeeeeeeeeeeeeeee tuuuudo dentro de nóóóós”). Como mamãe diria, me deu um desengano profundo.
Sem parecerem aculturados, muitos “conformados com causa” aproveitaram para cantar em alto e bom som Calcinha Preta, que também fazia parte do set list, e outros se sentiram “muito doido, pra caralho”, ao gritar “Vão se fodeeeeeer”, em Bichos Escrotos – música  que nos áureos tempos dos Titãs eu adorava.
Vocês devem então estar se perguntando o que eu, uma reclamona de mão cheia, estaria fazendo ali. Eu admito. Estava aberta às novas experiências ontem. Queria sair com amigos, ver gente, beber algo e até fiz isso, mas também me senti uma velha com todos os seus atributos naquele meio. Na minha roda, cerveja de 1L, drinks e cigarro. Nas rodinhas ao lado, tiaras de lacinhos, quilos de blush, cabelinhos esticados e muito clima de azaração entre a menininha e o primo bonitinho da amiga.
Depois do show, pensei na Marina Lima e volto a citá-la – acho que já o fiz em outra postagem – ao dizer que “deve ser da idade”. Uma amiga mais ácida disse que aquele momento era "uma prévia do show do Restart". Eu, que não sou tão rude assim, proponho um brinde aos “conformados com causa”. Taças com smirnoff, por favor.

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