A fetidez do Centro Histórico

O Centro Histórico de São Luís – fede. Antes não fedia tanto, mas hoje, fede. Fede não só pelos esgotos que insistem em exalar seu odor livremente pelas ruelas históricas ou por conta dos hippies que não se lavam desde a última passagem do ônibus que conduzia à Woodstock. Fede à mesmice, libertinagem, intelectualóides e maconha bem enrolada.

Semana passada, depois de sair da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – outro lugar de odor semelhante – me fui pega por uma vontade incontrolável de comer. Parei no Reviver para procurar algo atrativo ao meu paladar. Durante a procura, não vi nada novo. Nem lembro a última vez que havia ido lá, em uma tarde já com o sol se pondo, sozinha e sem pressa, mas sei que estava exatamente igual ao cenário visto por mim neste derradeiro episódio.

Ora, a única uniformidade que deveria existir por lá seriam os casarões. Porém, são estes que já não são os mesmos. Estão com lodo, urina, pintura desgastada, azulejos deteriorados. Graças a este conjunto arquitetônico, o Centro Histórico de São Luís foi tombado na década de 90 como Patrimônio Mundial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Hoje, a cidade está ameaçada de perder o título. Na verdade, não o ganharia nem se fosse um título dado regionalmente, quanto mais mundial.

Sendo talvez um pouco saudosista, sou do tempo em que o trailer de cachorro-quente do Souza era na rua do Odylo Costa Filho. Sou do tempo das ruas bem iluminadas. Sou do tempo do cheiro de couro de animal, encabeçando os tambores dos coreiros de tambor-de-crioula, tostando de afinação à beira da fogueira. Sou do tempo dos intelectuais sentados nos bancos da Praça Nauro Machado, ou tomando uma cerva no Antigamente e na Cia. Paulista. Sou do tempo em que o Chez Moi eram para os ditos alternativos.

Desta última vez que passei pelos paralelepípedos bem encaixados daquele lugar, não vi nada disso. O que vi são as mesmas camisas de Che cobrindo os peitorais magrelos, as de um crioulinho qualquer nas cores da Jamaica estendidas à venda, as sandálias de couro surrado nos pés de unhas mal cortadas, os bêbados sempre nas mesmas viagens rasteiras que os levam a cair no mesmo canto da sarjeta, as mesmas miniaturas dispostas nas bancadas de compensado sustentadas por talas de bambu, os mesmos casais menino-menino ou menina-menina ou, ainda, menimo-menina-menino se atracando nas escadarias e o forte cheiro dos baseados para pobre.

O fato é que tenho reclamado por esses tempos de pessoas que se prendem ao passado, mas como era bom ir ao Centro Histórico. Quando criança, ia com mamãe, seu até então marido e minha irmã. Lembro-me que adormecia no colo materno ao som dos acordes característicos da vida noturna daquele local e, quando acordava, já estava a caminho de casa. Depois, mais crescidinha, já ia sozinha, mas sem muita freqüência. Quando entrei na UFMA, em 2007, voltei a freqüentar mais ativamente, mas a decadência do lugar logo fez com que enjoasse de ir pelas bandas de lá.

Minha tarde opcionalmente solitária no Reviver esta semana serviu ainda para eu relembrar outras coisas. Pode parecer estranho, mas o fedor de esgoto me fez lembrar Recife (PE). Chico Science não cantou os versos “Num dia de sol Recife acordou com a mesma fedentina do dia anterior”, na música A Cidade, à toa. “Recifede”, como alguns brincam, realmente não cheira bem, mas é um odor ruim tão bom porque o lugar te acolhe de outras formas. O Centro Histórico daqui, no entanto, hoje em dia, a mim só fede.

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Thamirys D'Eça


Foto: Flora Dolores, da equipe de O Estado

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2 comentários:

Anônimo disse...

O texto demonstra preconceito de classe, falta de informação, saudosismo barato e memória torpe. O bairro da Praia Grande fede. Fede e sempre fedeu por se "beneficiar" de um sistema de esgoto antigo( o que acontece em grande parte das capitais europeias).O Chez Moi nunca foi alternativo, mas recanto da patricice que tentara ser alternativa e intelectualoide ( sem sucesso).
O Bairro da Praia Grande é ainda lugar acolhedor aos verdadeiramente saudosos, memória da nossa história, da nossa decadência. A Praia Grande só retrata o que a sociedade maranhense é e como ela se sente:baixa estima, "unhas mau cortadas, "um crioulinho qualquer".
Não entendi o "baseado para pobre", mas tanto faz, deve ser mais um comentario preconceituoso da nossa falsa classe-média.

Patricinha vai ao shopping e se sente bem. Sinta-se bem, faça o bem, tente pensar o melhor das pessoas e seja feliz.Fuja do common sense, você chega lá!

Thamirys D'Eça disse...

Bem, em primeiro lugar, agradeço o comentário. A maioria das pessoas tem preguiça até de ler, quanto mais de escrever. =]

- Eu não sou preconceituosa e nem as outras coisas que me acusaste.

- Como podes avaliar que meu saudosismo é barato e dizer “O Bairro da Praia Grande é ainda lugar acolhedor aos verdadeiramente saudosos, memória da nossa história, da nossa decadência.”? Oras, quem sente saudades sou eu. Logo, tenho direito de sentir saudade do que eu quiser, mesmo que para você não seja digno de dedicar-se a tal. Sei a representatividade de tudo aquilo, por isso é que o estado em que aquele local se encontra hoje – abandonado – me causa revolta.

- Eu sei que a Praia Grande possui um sistema de esgoto antigo, tanto é que escrevi logo nas primeiras linhas: “Fede não só pelos esgotos que insistem em exalar seu odor livremente pelas ruelas históricas...”.

- Quanto ao Chez Moi, repare que eu disse “DITOS alternativos”, ou seja, eles que se classificavam como tal, mas eu não, justamente porque, como você disse, na verdade era um “recanto de patricice que tentara ser alternativa ...”. Só para constar: Eu nem freqüentava o Chez Moi.

- O que falei de “crioulinho qualquer” não foi de maneira preconceituosa. Vai dizer que você nunca passou por ali e viu estendidas nas portas das lojas camisetas com desenhos de crioulinhos nas cores da Jamaica?

- O “baseado para pobre” que você disse que não entendeu, eu explico. Muitas vezes se compram ervas de baixa qualidade porque o dinheiro é escasso. Só isso. Não foi um comentário preconceituoso.

- E, sim, eu vou ao shopping e me sinto bem fazendo tal coisa, mas não faço só isso. Sinto-me bem, faço o bem, penso o bem das pessoas e sou feliz.

Acho que você que não entendeu o texto, por isso fez o comentário acima.

O que aparenta é que vieste aqui com o intuito de postar algo de teor ofensivo, mas sem sequer dar-se ao trabalho de interpretar o que foi dito. Provavelmente trata-se de alguém que convive ou conviveu comigo de alguma forma, em alguma época, mas que nunca se atreveu a me conhecer, porque tens essa visão de que não passo de uma patricinha desocupada. Com isso, você sim é que mostrar ser recheada de preconceitos.

Acho que isso. Dúvidas, traumas ou inquietudes e podes comentar novamente. Não pretendo censurar ninguém. =]

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