Não é tão amado assim

“O Bem Amado” não é o tipo de filme que ficará “para sempre nos anais e menstruais da história”, como já diria Odorico Paraguaçu (Marco Nanini), personagem principal do roteiro de Dias Gomes – exibido como telenovela em 1973 - e adaptado para o cinema por Guel Arraes. O longa-metragem se assemelha a outras obras do mesmo diretor, tornado-se mais uma comédia nordestina, mas com um agravante: não aposta na envergadura interpretativa do espectador.
O filme é rodado na década de 60 - na época, era travada no país uma crise política no governo de Jânio Quadros - no município de Sucupira, no interior da Bahia. Iniciada campanha política, Odorico Paraguaçu ganha a dianteira ao prometer a construção de um cemitério no lugar. Essa sem dúvida é a parte do enredo mais cativante. O jingle da propaganda política - gravada por Thalma de Oliveira - promovida por Odorico é deliciosamente engraçada:

“O bem amado, o grande líder, ele é o salvador. O povo não esquece, o povo tem memória, ainda bem que ele voltou. O patrão, o empregado, o analfabeto, o doutor. Seja macho ou seja fêmea, seja o bicho que for. Quem vê o lado pobre não esquece do rico. É Odorico. Ladrão, covarde, tudo isso é mexerico. É o Odorico. O bem amado, o grande líder, ele é o salvador. O povo não esquece, o povo tem memória, ainda bem que ele voltou. O patrão, o empregado, o analfabeto, o doutor. Seja macho ou seja fêmea, seja o bicho que for. Quem ainda não nasceu ou quem já ressuscitou. Todo mundo pede bis ele voltou. Se é pro bem de todos diga ao povo que fico. Eu fico com o Odorico. Odorico”.

Eleito, é iniciada a construção do cemitério, que ocasiona várias despesas ao cofres públicos. Construído com muito custo e a base de desvio de dinheiro, Odorico se vê em um impasse. Ninguém na cidade morre para que o cemitério seja inaugurado. Dessa forma, a imprensa de Sucupira, que é de oposição ao governo municipal, estimula a população a se revoltar contra o prefeito.
Desesperado, Odorico contrata um matador, o Zeca Diabo (José Wilker), que apesar de não ser colocado em primeiro plano na história, rouba a cena. Ele já havia praticado outros crimes na cidade, inclusive contra o antigo prefeito. A ação de nada adianta. Ele conta ainda com o apoio de Dirceu Borboleta (Matheus Nachtergaele) e das três irmãs Cajazeiras (Zezé Polessa, Andréa Beltrão, Drica Moraes).
Com a popularidade em baixa, Odorico procura inúmeros meios de se reerguer. Nesse momento, assim como desde o começo do filme, ele se utiliza de discursos regados a "neologismos" que são um dos pontos altos da história:

“Povo sucupirano! Agoramente já investido no cargo de Prefeito, aqui estou para receber a confirmação, ratificação, a autentificação e por que não dizer a sagração do povo que me elegeu. Eu prometi que meu primeiro ato como prefeito seria ordenar a construção do cemitério. Botando de lado os entretantos e partindo pros finalmentes, é uma alegria poder anunciar que prafentemente vocês já poderão morrer descansados, tranqüilos e desconstrangidos, na certeza de que vão ser sepultados aqui mesmo, nesta terra morna e cheirosa de Sucupira. E quem votou em mim, basta dizer isso ao padre na hora da extrema-unção, que tem enterro e cova de graça, conforme o prometido”.

Afora o jingle político e os discursos divertidos, O Bem Amado não surpreende. É mais uma comédia nordestina com os mesmos ingredientes de sempre, incluindo a mocinha filha do manda-chuva da cidade que se apaixona pelo rebelde. No caso, a história é entre Violeta (Maria Flor), filha de Odorico, e Neco (Caio Blat), jornalista do A Trombeta. A paixão entre os dois lembra Lisbela e o Prisioneiro e O Auto da Compadecida, filmes também dirigidos por Guel Arraes.
Em exibição nos cinemas desde o dia 23 do mês passado, em um ano eleitoral, o filme abusa no teor político, chegando a ser maçante a intenção de fazer comparações ao Brasil atual. Depois de todo o enredo apresentar essa proposta, no final ainda é mostrado um globo onde a localização brasileira é apontada como Sucupira, mostrando mais uma vez o seu objetivo. A atitude, porém, mostra a falta de aposta na inteligência do espectador, que mesmo depois de passar 107 minutos acompanhando a história, supostamente ainda não haveria entendido a crítica social.


O Bem Amado, 2010
Gênero: Comédia
Duração: 107 minutos
Origem: Brasil
Estréia: Brasil – 23 de julho de 2010
Estúdio: Disney Buena Vista
Direção: Guel Arraes
Roteiro: Cláudio Paiva e Guel Arraes, baseado na obra de Dias Gomes
Produção: Paula Lavigne
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Thamirys D'Eça

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