A vida de um divino artista

Foto: Douglas Júnior
Thamirys D´Eça
Enviada Especial

Dos 62 anos de vida na quase pacata cidade de Alcântara, 42 foram dedicados à Festa do Divino Espírito Santo. Mestre-sala e responsável pela elaboração dos altares e centros de mesa, Antônio do Livramento Boaes Tavares, o Antônio de Coló, filho de um dos ícones do festejo, o falecido Seu Coló, despertou interesse às lentes do cineasta pernambucano radicado no Maranhão Murilo Santos. As pesquisas e filmagens feitas por ele resultaram no documentário “Divino Artista”, que teve a sua pré-estreia sábado, na cidade natal do protagonista.
O cineasta acompanha o trabalho de Antônio de Coló desde 1973, quando visitou e teve contato pela primeira vez com a Festa do Divino de Alcântara, mas só em 1977 resolveu começar a registrar o trabalho do artista com mais frequência. “Percebi que ele merecia destaque por causa do trabalho. Os altares são um dos maiores símbolos da festa”, ressaltou Murilo Santos.
A elaboração do documentário, porém, só aconteceu em 2008, quando o cineasta foi agraciado com apoio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma) no valor de R$15 mil. A partir de então, Murilo Santos passou a colher vídeos e fotografias antigas feitos por ele desde a primeira visita à cidade, ainda como membro do Laboratório de Expressões Artísticas (Laborarte). “Quis fazer algo que eu tinha referência anterior. Não faço trabalho como curioso. Primeiro estabeleço proximidade”, disse o cineasta.
A coleta total do material, que incluiu Mini DV, VHS e Full HD, rendeu cerca de 10h de filmagem, cuidadosamente, editadas pelo próprio idealizador desde o início do ano. A proposta inicial era de que o trabalho tivesse 26 minutos, mas por causa do extenso período de gravação e da densa história do protagonista, o tempo de duração passou a ser de 52 minutos.
Trabalho - No filme, Antônio de Coló mostra o processo de elaboração dos altares para o Divino Espírito Santo e dos centros de mesa, desde as primeiras aplicações do material e os trabalhos de mestre-sala, que é o responsável por dar todo tipo de assistência à festa, como de auxiliar a corte nos cortejos. “No documentário, o público poderá entender a Festa do Divino. Será um mergulho na festa do ponto de vista de alguém de dentro, que é o Antônio de Coló”, ressaltou Murilo Santos.
Além do filme, o documentário também traz extras. Em um desses Antônio de Coló, faz um breve resumo de aproximadamente seis minutos do seu trabalho na Festa do Divino nos últimos 10 anos. Em outro, é mostrada uma entrevista com o protagonista e mais um mostrando as etapas de construção de um altar. Em alguns trechos dos extras, Antônio de Coló tece comentários que foram gravados separadamente. “A ideia é que no DVD tenha o filme principal e diversos curtas, que serão utilizados como extras”, detalha o cineasta.
Santos diz que, por causa do teor explicativo do documentário, o trabalho poderá ser utilizado em escolas, cursos e como amostra para turistas que chegam à cidade com pouco conhecimento sobre o assunto. “Muitos já ouviram falar sobre a festa, mas poucos conhecem o significado de cada símbolo. No documentário, isso é explicado”, evidenciou.
Foto: Douglas Júnior
‘Première’ - A intenção é de que o documentário seja lançado em agosto, durante a Semana do Folclore. A pré-estreia, porém, aconteceu sábado, em Alcântara, durante a Festa do Divino Espírito Santo. A exibição foi em baixa resolução, na Igreja Nossa Senhora do Carmo, em um telão improvisado no local. A pesar da pré-estreia, o filme ainda não foi totalmente finalizado, restando ainda algumas passagens a serem incluídas.
A apresentação do filme atraiu a curiosidade dos alcantarenses e também de visitantes. A estudante Cláudia Rodrigues disse que gostou de ver os amigos na telona. “Vi várias pessoas conhecidas, foi muito legal e engraçado. Achei que contar a história da festa é bom para as pessoas entenderem”, defendeu.
Para o protagonista do documentário, Antônio de Coló, foi gratificante ter o trabalho reconhecido e exibido. “Achei ótimo. Gostei demais e me senti muito importante. Assisti com familiares e amigos na igreja também pela primeira vez. Fiquei emocionado com tudo”, descreveu, com certa timidez.
Ele disse também que os altares merecem destaque na festa, pois o processo de elaboração é árduo, assim como o de mestre-sala. Para o festejo deste ano, por exemplo, ele fez o altar de dois membros da Corte Imperial, mas houve anos em que ele fez até cinco. “Quando fica pronto, agradeço a Deus por mais uma vitória, por ter vencido todas as dificuldades”, enfatizou Antônio de Coló.
Orgulhoso, ele conta ainda que tem um filho, Weslley Rogério Silva de Sousa, de 18 anos, que exerce o mesmo trabalho e que também participou do “Divino Artista”. “Aprendi a fazer os altares desfazendo-os, quando acabava a festa. Ficava também observando quando o faziam e aprendi. O mesmo está acontecendo com meu filho”, acrescentou de Coló.
Foto: Douglas Júnior

Caixeira do Divino vai ter a vida documentada
A partir do documentário “Divino Artista”, Murilo Santos decidiu aprofundar-se ainda mais nos elementos da Festa do Divino Espírito Santo de Alcântara. Seu foco agora é exibir o trabalho da caixeira Marlene Silva, a Dona Malá, de 68 anos, uma das poucas e mais velhas do festejo do município.
Mesmo sem previsão para o término do registro, o cineasta passou os dias do festejo, que aconteceu de 1º até ontem, em processo intenso de gravação. Nas filmagens, ele utilizou uma câmera Canon 5D em um suporte construído por ele mesmo com restos de materiais de ferro - como de bicicleta - para manuseio do equipamento, que é próprio para fotografia e não para vídeos. Por isso, a câmera não tem sistema de gravação de áudio de boa qualidade. Para superar a barreira, ele acoplou ainda uma base para microfone para captar melhor o som do toque da caixeira.
Segundo Murilo Santos, o trabalho deveria ter sido finalizado ainda o ano passado e o nome também fará referência à caixeira com o termo “Divino”, assim como “Divino Artista”. “A Dona Malá é uma grande conhecedora da Festa do Divino e as caixeiras têm destaque especial no festejo e, por isso, merece o registro”, explicou.
Para a caixeira, o trabalho será bem-vindo, pois vai auxiliar na divulgação da festa e incentivar as pessoas a aprender a arte de tocar caixa. "Tem poucas caixeiras, as pessoas não querem aprender e tenho medo disso acabar", lamentou.
Matéria publicada na edição do dia 14 de junho de 2011 na jornal O Estado do Maranhão.

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